Setor Oriente: Tonhão e Castorino 

Setor Oriente: Tonhão e Castorino 

Nós víamos atravessando os anos 70, 80 e estava aquele desenfreio da abertura de lotes, sítios, chácaras e fazendas no estado de Rondônia, especialmente na região de Ariquemes. Então, quando implantou Ariquemes, foram feitas licitações de grandes áreas onde eu pude adquirir mediante licitação, mil hectares. Meu irmão, mil. Estávamos juntos.

Era floresta virgem ali na transição dos municípios de Ariquemes, Theobroma e Jaru. Bem ali na confluência tinha um imóvel nosso que era localizado em Theobroma, o outro era Ariquemes, e tinha uma área de reserva em bloco que eles chamaram de Setor Oriente. Era um bloco. Mas logo começaram as especulações e as invasões dessa área.

Eu me lembro muito bem de duas figuras emblemáticas que foram os primeiros a se instalarem. O Tonhão que era um baiano, chapéu de palha grande e um facão que ele não tirava da cintura hora nenhuma. Era grandão, falava alto e era temido. O Castorino era um homem manso atarracadozinho, falava bem cauteloso e era solteiro. Tonhão já tinha mulher, a dona Raimundinha.

Logo eles fizeram os barracos e começaram abrir suas áreas e prestar serviço longe para ganhar um dinheirinho, porque naquele começo ninguém tinha dinheiro. Tinha que trabalhar fora pra trazer o dinheiro pra casa, e assim eles fizeram. Depois foram chegando mais gente, o seu Zé Lourenço, o Gaúcho, Zeni, Baianinho, e muitas outras figuras importantíssimas.

O Castorino mais tarde roubou uma menina. Pegou uma adolescente de 12 pra 13 anos pra morar com ele. Ele era analfabetão e foi fazendo filhos. Teve uns oito filhos com essa moça. E era uma desnutrição. Embora morassem na roça, eles comiam muito mal. E ela foi ficando cega, progressivamente foi perdendo a visão nova, nova. Ficou quase cega.

Alguém da prefeitura a levou até Porto Velho para fazer exames. Foi constatado carência de Vitamina A.  Deram-lhe vitaminas e ela começou a se alimentar, comer alimentos vermelhos e amarelos ricos em vitamina A, e ela foi recuperando a visão progressivamente. Não ficou 100%, mas melhorou.

Mais tarde ela abandonou o Castorino. Os filhos cresceram, esparramaram, e ele ficou lá na gleba sozinho.  Nunca foi um homem organizado de plantar lavouras de café, cacau, não. Ele plantava apenas uns pezinhos de mandioca. Era um extrativista. Ali morreu, depois de muitos anos, solitário, pobre e abandonado.

Já o Tonhão, o sonho era ter uma moto, mas ele não sabia pilotar. Certo é que um dia ele fez um rolo lá no Jaru e pegou uma moto velha. O rapaz que vendeu explicou mais ou menos como pilotava e ele montou nessa moto e sapecou na direção do Setor Oriente. Sem saber direito ele foi empurrando, mexendo nas marchas e chegou no Setor Oriente.

Mais tarde ele vendeu o imóvel. Como é de costume, as pessoas chegam e logo vendem as propriedades antes da regularização. Hoje ele mora lá pro lado de União Bandeirantes. Nunca mais vi o Tonhão. Era uma pessoa amiga, pessoa realmente muito querida.

Na época nós conseguimos organizar lá a Associação dos Moradores do Setor Oriente. O Tonhão foi o primeiro presidente. Só tinha uma coisa, ele não aceitava divergência. Fazia as reuniões, mas tinha que ser tudo do jeito dele. Se alguém o contrariasse ele acabava a reunião, puxava o facão e terminou que a associação não vingou, justamente pela intransigência ou falta de traquejo dele.

Posteriormente assumiu a associação o seu Zé Lourenço, homem sábio, pessoa simples, de uma generosidade sem tamanho. Ele tocou a associação por alguns anos. Na época eu já era deputado federal e aloquei pra eles bastante recurso, máquinas, colheitadeiras, secadores, tanques de peixe, estradas, energia elétrica, tudo.

Então, você veja bem como foi a colonização, como são os desafios, como são as pessoas, as histórias desse dessa Setor Oriente. Eu gravo lembranças maravilhosas, amizades eternas. Até hoje tenho amigos lá, que já estão velhos, muitos já falecidos, mas eu tenho amigos perenes, amigos eternos, amigos que eu sou grato, porque nós começamos juntos a abertura daquelas terras, no início dos anos oitenta. Hoje os filhos estão todos adultos, netos, bisnetos. A vida rodou e Rondônia melhorou.

Hoje a gente vai lá naquela região e não reconhece mais. Está tudo diferente, cortado de estradas, de energia, de pontes, de escolas. Parece um sonho, um sonho admirável. E essa história eu vivi e estou aqui para contar. Por isso que eu tenho por eles uma imensa amizade e gratidão eterna. São pessoas inesquecíveis.

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