A psicologia da cidade de Guajará-Mirim

A psicologia da cidade de Guajará-Mirim

Esta crônica foi escrita em 7 de dezembro de 2019. Estamos em junho de 2021. 1 ano e meio atrás. Simão Sessim e Canduri – citados, infelizmente, já faleceram. Basta seguir – na cidade, as palavras do Oliveira e recuperar o sentimento de orgulho da Pérola do Mamoré, de tanto fausto).

São quatro e meia da manhã. Vou sair para caminhada nas ruas de Guajará-Mirim. Estou ainda me esticando, sem querer deixar de ler um artigo sobre a Economia Solidária do Papa Francisco. Vou deixar isto agora. Pôr o pé na rua, molejar o corpo.

O MDB de Guajará foi sempre ativo, presente, por último tem ficado do mesmo jeito, sem colarinho de juventude, sem renovação de mulheres, sem sangue nas veias, sustância de massaco, sem moqueca de dourado, assim, meio pirão de resguardo.

Bom dia turva madrugada! Na cidade louva-a-deus de Dom Rei e Dom Geraldo Verdier, este tão alvo, limpo, suave, que parecia ter saído do banho. A saltenharia já fechou, as cadeiras encaixadas umas nas outras, dois bêbedos subindo a rua, arrastando os pés no chão e a cidade silenciosa, não se via o rio, que dormia também.

A cidade está deprimida. Este comportamento se irradia de um para outro, sem as palavras, pelo chão, olhares. Eu ouvi numa conversa de fundo de quintal, “que a cidade merecia mais. Que poderia se desmatar mais. Em Rondônia, quem desmatou cresceu.  E aqui não. Do que adianta tantas reservas e o povo passando necessidade?” Percebi este sentimento em grande parte dos moradores.

Oliveira expôs um assunto relevante, que a área desmatada em Guajará é maior que as de Jaru e Ouro Preto juntas, não se justifica desmatar e sim aproveitar com mais competência estas áreas para produção de alimentos. E Oliveira conhece bem o Estado, porque já ocupou muitos cargos.

Há de se fazer um tratamento na cidade. Rodas de terapia comunitária. E colocar todas as mágoas para fora. E debater soluções. A cidade pode viver sem destino, mas, não sem atitude, não como uma flor que murcha ou pássaro solitário.

O que vejo agora, por fora, sem evidências matemáticas, diverge do que se fala na rua, porque o que se vê, como visitante não é a mesma coisa do que se vê quem aqui vive. Tem outras cores neste espectro que os meus olhos não percebem e nem meus ouvidos escutam;

A cidade está limpa. Bem iluminada. E se repete, há pontos que precisam de ação efetiva, como o hospital quase pronto, equipamentos estragando e fica sem solução. O esgoto foi iniciado, estação de tratamento construída, redes instaladas em bairros e nunca terminada, ainda do tempo do Prefeito Pilon.  Dinheiro público morto.

A Avenida Leverger acabou de vez. O asfalto sumiu. As lojas da rua estão sujas, calçadas com terra, não se vende quase nada. Esta avenida tinha muito glamour. Simão Salim morreu ontem, foi jovem quando a cidade resplandecia, a Leverger tinha sua vaidade. Simão Salim, o venturoso.

Há um sentimento que se irradia por debaixo do chão, vai se transmitindo, e lá bem à frente surge o comportamento, e o pessoal vai falando mal da sua própria cidade. Termina que de tanto falar, a cidade fica de má fama para eles próprios, quando comparada a outra que fica bem ali, a quarenta quilômetros. Nem precisa ir mais longe. É justamente aí que se deve trabalhar o sentimento e depois mexer no comportamento, aqui há outro cimento de necessidade;

A catedral está linda. As lojas com fachadas pintadas de cores fortes. O povo gosta da cidade, do rio Mamoré e da proximidade com a Bolívia. Raimundo tem 86 anos, sempre foi eleitor do MDB, não vai mudar, escuta bem, não usa óculos, anda sozinho na rua, gosta do mercado municipal. Vou andando e vendo a madrugada amanhecer. O Rio Mamoré começa a resplandecer. Coronel Gualberto teve que dar um arrasta-pé num vira-lata, bem atrevido, bicho valente que nem lobo guará.

A cidade está engasgada em suas pequenas relevâncias, e segue uma onda, que sobe e que desce, como a Leverger, sempre esbarra nela, os “bois” estão sem toadas, sem cores, sem plumas, o povo gosta do Duelo da Fronteira, o “Malhadinho e o Flor do Campo” azul e o vermelho, todo ano tinha a festa, agora não tem mais. A cidade perdeu seu brilho, o céu está claro, é tempo de chuva, passei agora às sete e trinta na casa da Lindalva, porta fechada, ainda dormia porque hoje é sábado.

CANDURI está internado, coração fraco, muito gordo, não se controla, gosta de política, emedebista de sangue, briga sempre internamente, não sai do partido e gosto do conflito, da oposição dura e radical. Não se pode compreender porque não se termina o hospital, problema do legalismo brasileiro, que fura o bucho do povo, e o dinheiro se perde sem valer o interesse público.

Foi bom ter aberto a Estrada Parque, por um lado, do outro foi um horror, o povo invadiu tudo, desmatou. Judiação. Estou com fome. Agora às seis horas da manhã, o restaurante só abre às seis e trinta, vou tomar banho e depois chego lá. Pedi quatro ovos, dois inteiros e duas claras, sem sal, uma colher de sopa de goma de mandioca. Ficou excelente. Tomei duas xícaras de café sem açúcar. Acostumei café sem açúcar.

Ontem, ofereci jantar para os alunos indígenas de ABAITARÁ, terminaram o curso técnico de agroecologia, seus pais, parentes, o cacique, comemos e tomamos sucos, me coloquei à disposição deles para estarmos sempre juntos.

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