Sobre a cova comum, de nove mortos, ergueu-se a Capela dos Nove. Um mausoléu solitário fora do cemitério da Vila de São José do Duro.
A capela virou santuário das magias, os mortos, os nove sábios, onde os moradores podiam pedir conselhos, bastava a senha de nove toques na porta.
Sobre ela, a energia sobrenatural, a chuva era mais intensa, raios teciam flechas luminosas, a noite tenebrosa, as pessoas, ao passarem à frente se benziam. O “barulho” revoltoso de 1917, foi o princípio de tudo. Gume Nepomuceno enfrentou pelotão armado da Polícia Militar de Goiás, com ordem para prendê-lo, por crime de sonegação de impostos e ameaça ao coletor local.
A Vila era pacata e sertaneja, casas geminadas, como se fossem uma só, formavam o quadrilátero da praça, nada se alterava, a não ser as ladainhas intermináveis, as ardentes promessas de sacrifícios. O Sobrado à esquina do casario consanguíneo, só a imagem de São José era perene.
O conflito estava armado, não havia acordo, Gume de um lado com seus capangas armados, prontos para o confronto. A polícia do outro lado, em menor número, tendo o juiz de direito Olavo Ludovico como mediador e com a sentença de prisão pronta. Cada lado temia o outro.
Por segurança contra a invasão da Vila pelo bando desordeiro, foram feitos nove reféns, parentes próximos de Gume. Foram levados ao sobrado e amarrados uns aos outros. Em todas as casas ouviam-se os seus gritos por socorro e água.
A cidade de Goiás, capital do Estado a uma distância de mais de mil e quinhentos quilômetros, sem condições de se pedir reforço policial, o deslocamento de tropa seria a pé e demoraria meses para chegar. A astúcia seria a estratégia para enfrentamento do bando comandado por Gume. Ele não poderia invadir a vila, seus reféns seriam executados.
No entanto, eles conheciam muito bem a região, os ermos gerais, as montanhas, os rios, os confins profundos do sertão. O Sargento Anacleto era homem de cumprir missão, encarregado de fazer justiça, manter a ordem pública, garantir a cobrança de impostos, mas, a cada dia perdia a paciência com as provocações e astúcias de Gume Nepomuceno.
Os reféns exauridos, estavam entregues aos seus destinos incertos, famintos, sujos, enquanto o Sargento Anacleto, impiedoso, obrigava-os a escrever bilhetes para que Gume desistisse do ataque à Vila do Duro.
Nada o dissuadiu. Numa madrugada de quinta-feira santa, escura e fria, até a lua já havia se escondido atrás dos morros gerais. O bando sedento de vingança invadiu a Vila, para desespero da tropa, sem alternativa, degolou todos os reféns e iniciou o confronto sangrento.
Já se passaram 106 anos e o sangue dos mortos estão nos corpos vivos das gerações seguintes, carregando as dores sofridas, ainda presentes, lúcidas e estreladas, nas horas misteriosas das tardes, quando os sinos da igreja bate a Ave-Maria, há silêncio reverente, para que possam ainda ouvir os gritos daquelas almas inocentes, que a capela guarda em segredo.
O barulho ainda ressoa, como uma guerra sem causa que deixou São José do Duro marcada como um pecado coletivo carregado nos ombros da cidade inteira.