Fui eleito deputado federal em 1994 e tomei posse no início de 1995. Arrumaram para mim um gabinete no Anexo III, o setor mais antigo da Câmara. Tudo era apertado: ar-condicionado mais quebrado que funcionando e paredes tão finas que o que se falava na sala de entrada chegava clarinho até a minha. E, claro, o mesmo acontecia comigo. Privacidade, zero.
Ninguém tinha celular — e, para falar a verdade, também não fazia falta. Eu mesmo nem conhecia o tal aparelho. Computador, então? Nem pensar. Só máquina de escrever. Por sorte, eu era craque: minha mãe havia sido professora de datilografia, e eu aproveitei bem as lições. O banheiro era comunitário, verdadeiro ponto de encontro entre parlamentares.
Foi só quando Michel Temer assumiu a presidência da Câmara que apareceu a novidade: um celular para cada deputado. Eu, desconfiado, recusei de imediato. O “bicho” me parecia estranho. Ficava imaginando aquelas ondas esquisitas entrando pelos ouvidos e causando sabe-se lá o quê. Médico de interior, acostumado a desconfiar das novidades, pensei comigo: “Melhor esperar mais um pouco. Vai que esse negócio causa câncer no ouvido, no cérebro… ou me deixa surdo?”
Enquanto isso, todos já desfilavam orgulhosos com seus celulares nos corredores. Eu resisti. Só depois de um ano, quando percebi que ninguém havia ficado surdo ou com tumor, resolvi pegar o meu. Foi aí que perdi a paz. Nunca mais tive sossego.
De lá para cá, a coisa só evoluiu. Se a gente não se policia, acaba vivendo apenas para baixar aplicativos e responder mensagens. O pessoal até reclama de mim, porque quase sempre deixo o celular desligado. E é verdade. Caso contrário, não sobra tempo para nada.
Além disso, o “bicho” vicia. E vício, todos sabemos, é caminho curto para clínica de desintoxicação — ou, no mínimo, para o consultório de um psiquiatra. Câncer, não dá. Mas enlouquecer, isso sim, é um risco real.