Lavador de pratos

Lavador de pratos

No fim de semana, viro doméstico. Corro a casa inteira, abro janelas para deixar o ar circular. É hora de arejar o ambiente, espantar a poeira, sacudir lençóis, arrumar a mesa do café, passear com a cadela e, em seguida, enfrentar a pia — lavar a montanha de pratos, garfos, facas, desengordurar tudo.

E o tempo passa. Logo vem o almoço, depois o lanche, o jantar… e tudo se repete. A cabeça desliga das ideias — história, política, poesia — e mergulha na rotina. De vez em quando, um filme na TV, um programa de auditório interminável. Também quero um milhão, quero, por direito, a sorte — mesmo que seja raríssima — esse desejo eterno de enriquecer num golpe de azar. Nem muito, nem pouco: bom mesmo é sonhar em sair do miserê, dormir pobre e acordar rico.

Movido por uma corrente invisível, saio de casa, dobro o quarteirão e faço uma fezinha na loteria. O carnaval vem aí — mais um motivo para se sentir igual. E a igualdade é sonho de consumo. Todo mundo deseja ser igual. No carnaval, o rico está no camarote, bebendo uísque e comendo caviar, enquanto a festa cintila noite adentro. Penso até em escrever uma tese de doutorado sobre as festas populares e a igualdade sonhada.

Estou na cozinha preparando café, esquentando o pão, espalhando manteiga — nada melhor que uma “média” de café com leite servida num copo de massa de tomate.
Em casa, em família, tudo se releva. Lamber os dedos melados de geleia ou ketchup é aceitável. Ainda não perdi a mania de lamber a colher suja de doce de leite.

Felizmente, consegui me livrar do vício de lamber o prato — um vexame, hoje em dia, num restaurante, deixar o prato limpo até o último traço de molho. Sempre fui guloso e apressado. Quando menino, atormentava minha mãe, metendo a colher no tacho de doce de buriti ainda quente no fogão.

Por um fim de semana, tudo bem — dá pra aguentar. É quase uma terapia: sair da rotina e entrar na gandaia da rotina doméstica. Mas, gente do céu, a repetição dos mesmos gestos, dos mesmos serviços, dos mesmos movimentos… deixa a gente meio doido. Aí começo a conversar sozinho, cantar Nelson Gonçalves, Waldick Soriano: “eu não sou cachorro, não”.

E, no meio dessa canseira toda, penso nas mulheres que vivem isso todos os dias, sem folga nem aplauso, carregando o peso invisível da casa, dos filhos, da comida, da roupa, do cuidado. É uma maratona sem fim que o mundo insiste em chamar de obrigação. E enquanto tantos desdenham, elas seguem firmes, sustentando o cotidiano com força e paciência — heroínas anônimas de um trabalho que, se fosse pago e reconhecido, talvez movesse mais respeito que muito cargo de terno e gravata.

 

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