Quem mora em cidade grande e, de súbito, fica algumas semanas numa fazenda ou sítio, passa a ter na realidade uma sensação de alucinação. O silêncio grande desconhecido das cidades por aqui sobra. Ao fechar os olhos, respirando suave, experimenta-se uma complexidade de silêncios sonoros, desde sensações de zumbidos, bater de asas, sons estridentes de mosquitos, a cânticos de aves que se misturam em orquestra. Graves e agudos.
Depois um frio mais realista. A árvore completamente imóvel, adormecida. Os amorroados cobertos de florestas, serpenteiam como ondas, duas araras enamorados, lado a lado mudam o destino. A Internet aqui presente, à frente inexistente, quebra a doçura e termina que sem resistir, viaja-se como um vício pesado.
O sol empacado do outro lado da serra reverbera um vermelho adverso. E dentro da complexidade se tem a impressão dos Bandeirantes, delirante arrebol de ouro transformado. É estação seca, um olvido entre o frio da madrugada e a calcinante tarde. Alguns peixes rebolando do tanque.
Uma turma de gatos em caçada no meio dos pastos. O aroma indecifrável da graviola madura no quintal. Um passarinho minúsculo com um grito que corta, como uma criança em choro e birra. Adquire-se sem se perceber, uma dependência química pela cidade. Pelas multidões, pelos noticiários, buzinas, atropelos e medos.
Há outra dependência química no homem rural, no índio, no quilombola, ribeirinhos. Acostumados por uma paz geracional. As duas dependências se equiparam. Um não quer a outra. Aqui a rusticidade da vida original de outros tempos, desnaturalizados pelas antenas parabólicas, até mesmo, em alguns lugares, pelos celulares.
Outra entremeada de redes, telas, brilhos que escondem contradições de vidas e indignações entre o centro da cidade e a periferia. Desmantelando o pacto social que deveria existir. São aldeias distintas. E o homem é o mesmo, onde estiver e como estiver.