Não tenho aqui a data certa, imagino que tenha sido no início do ano 2000. Fiquei sabendo que o economista Celso Furtado aceitou debater alguns temas econômicos numa comissão da Câmara dos Deputados. Eu já sabia, previamente, que encheria a sala, e tratei de chegar mais cedo para garantir o lugar.
Celso Furtado vinha de profundo padecimento. Rodou o mundo como exilado. Participou ativamente da CEPAL (Comissão Econômica para América Latina), foi o que se diz hoje, um cepalino. Extraordinária contribuição. Além de vasta literatura de clássicos sobre alternativas econômicas para o Brasil.
Não vou ficar aqui falando do seu vasto currículo, das suas criações como ministro por várias vezes e nem da peregrinação no exílio, por diversos países. Eu queria mesmo era ver com meus olhos, esta figura lendária, que defendia formulações econômicas que chocavam com as teses neoliberais, em moda, na maioria dos países do mundo.
Ele já estava bem debilitado. Fala pausada, baixa intensidade, ampliada com o poder dos microfones. E não arredou o pé das suas convicções de o Brasil se fortalecer por dentro do Brasil, com um pé nos dados econômicos e outro na área social. Distribuir a riqueza. Combater a desigualdade. Ou seria o Brasil e a América Latina predestinados por seus enigmas, a serem, sempre, afundados em crises políticas e consequentes atrasos?
Houve chuva de perguntas, que seria impossível responder a todos. Eu fiz a minha: “professor – o que o senhor acha do MST e suas marchas, das invasões de terras, da violência gerada por estes conflitos?”. Ele foi respondendo a todas as perguntas, e nada de me responder. Fiquei achando que o meu questionamento seria inoportuno naquele momento, e que ele não queria entrar neste assunto.
Surpresa minha. Ele deixou para responder a minha pergunta por último, e disse: – “O MST é um dos maiores movimentos populares do mundo. É a marcha contra a injustiça social que sempre foi a marca da política brasileira”…. Percebi que Celso Furtado era movido por convicções muito fortes, tinha incrustado em si um pensamento, se certo ou errado ele persistia. E hoje, o que dizer do pensamento de Celso Furtado, que sempre defendeu, ardorosamente, uma economia com justiça social? – E ele, que já estava debilitado, parece que se despedindo, não tardou a falecer poucos anos depois.