Ariquemes, 20 de maio de 2007
Confúcio Moura
O tempo tem a sua verdade inexorável. Ele é um rolo compressor sem piedade. Vai passando por cima, amassando tudo, e quando chega adiante, vira uma massa sem nome.
Pouca gente se lembra do Jerônimo Santana. Ele tem uma história política incrível. Como deputado, três mandatos. Na ditadura militar foi brilhante. Fiel peemedebista, destemido, discurso demolidor. Aqui no Território de Rondônia era uma boca maldita.
Os governadores do Território, nomeados, geralmente coronéis do Exército, penavam na língua do Bengala.
Jerônimo era conhecido como “O Homem da Bengala”. Virou símbolo de campanha. A bengala cruzada no peito. Andava na rua com ela. Não mancava. Tinha as duas pernas. Apenas o que o desequilibrava era a enorme barriga. Imensa. Pendente. Puxava-o pra frente, a bengala seria para equilibrar a força da gravidade.
Quer ser de oposição, coma pelas beiradas. Comece pelas lavadeiras do rio, pelos carroceiros, desempregados, garimpeiros blefados, gente sem eira e nem beira, pegue a voz deles. A voz deles é a própria oposição. Estas pessoas sem direitos, sem voz e sem ouvidos, eles necessitam de espelhos de sentimentos, que joguem pra fora suas carências. Então, comece a oposição por esta gente. Que é maioria. E foi assim que Bengala sempre fez.
Lutou por Rondônia. Fez do Território Federal um Estado autônomo. Foi eleito Prefeito de Porto Velho, derrotou o mito Chiquilito Erse. Depois Governador do Estado. O primeiro eleito pelo povo.
Era uma peça rara. Sempre vivia duro. Criou um grupo imenso de puxa-sacos. Eu mesmo fui um deles. Ele que me introduziu na lida política. Entrava numa campanha sem um tostão no bolso. Fazia dívida e ia rolando. Depois a gente fazia “vaquinha” pra pagar. Ele nem aí. Cobrar do Jerônimo era perda de tempo. Ele nem ligava. Deixava o cara falando, bravo, pedia licença, entrava no banheiro, sentava no vaso e dormia.
Sempre estava em regime para emagrecer. O peso entre 120 e 150 quilos. Não media pressão e nem fazia exame médico. Bolsos do paletó cheios de amendoim, castanha do Pará e até pedaços de bolos. Sempre de boca cheia. Falava alto, quase gritando. Pegava no ombro da pessoa, empurrava como se fosse derrubá-lo. Quando sorria, a cortina do gabinete tremia. O vidro também.
Não tinha cerimônia. Prefeito, Secretário, Vereador, visitante, quem quer que fosse, homem ou mulher, era o mesmo jeito. Levantava da cadeira, a pessoa conversando, entrava no banheiro, mijava com a porta aberta, não lavava a mão, metia a mão no bolso, jogava castanha na boca, cuspia no chão, assuava o nariz, limpava a mão no paletó. Peidava alto, não escondia, como se fosse uma criancinha. Ainda mais se a audiência fosse demorada, tirava o pé do sapato e botava em cima da mesa. Era um horror. Meia de uma cor num pé, outra cor no outro, furada no dedão, era um desleixo total. Se não cuidasse, ele deitava no sofá e deixava a pessoa conversando, sem jeito, por pouco não pegava no sono.
Ah! Jerônimo, que bons tempos.
Ainda tinha os lanches de hora em hora. Adorava pé-de-moleque. Copos de toddy bem adoçados. Esfregava o guardanapo na boca, como se fosse vassoura. Depois comia. Mastigava o papel e engolia.
Rondominas, Distrito de Ouro Preto. Ele olhou a mulherada na cozinha, gordas, experientes na culinária, arroz, linguiça, vinagrete, churrasco, galinha caipira, todas alegres, felizes. Ele falou: – Palmira está vendo aí? Ninguém nervosa. Sabe por quê? Elas são mulheres de muitos filhos. Mulher tem que parir. Parir muito. A parição tira a rema do corpo. Acalma. Mulher de hoje é tudo nervosa, enche a barriga de pílula, dá no que dá.
Fui Secretário dele. Um dia ele ficou irado comigo. Não gostou de uma entrevista minha. Falou para o Tomaz Correia: Tá vendo Tomaz, o Confúcio com aquela cara de santo, mais parece um crucifixo em casa de puta. Tomaz até hoje não esquece e ri deslavadamente.
Certo dia ele estava azedo com uma secretária. Não tinha força para exonerá-la. Foi indicada por um figurão político. Uma cólica forte no intestino. Foi ao banheiro anexo. Saiu desabotoando o cinto. Sentou no vaso, deixou a porta aberta. Continuou conversando aos gritos. – Pode falar fulana, estou ouvindo. Enquanto isto fazia aquele barulhão de gases e tripas. A dama ofendida, finíssima, constrangida, saiu da sala vermelha que nem pimenta malagueta, pegou suas coisas e nunca mais voltou ao seu posto. Ele adorou a tática.
No fim do Governo caiu no seu inferno astral. Diziam que tinha ficado milionário. Casa em Miami, Lago Sul em Brasília, fazendas e mais fazendas. Tudo mentira. Ele simplesmente perdeu o bonde da história. Caiu no esquecimento. Hoje se debate no anonimato, recuperando-se de um derrame cerebral.