Quando cheguei em Ariquemes, quando ainda nem era cidade — era mais um amontoado de gente cheia de esperança, enxada na mão e um sonho na cabeça. Tinha quem plantava cacau, quem abria roça, quem tentava a sorte com umas vaquinhas. E eu, recém-chegado, resolvi entrar nessa onda. Juntei uns trocados e tomei a decisão mais inusitada da minha vida: vou comprar uma vaca.
Sim, uma vaca.
Não tinha pasto, não tinha curral, não tinha nem ideia do que fazer com ela. Só tinha vontade.
Foi então que apareceu o seu Avelino (foto), com aquele jeito meio encurvado de quem carrega o peso da vida nas costas. Me ofereceu uma vaquinha leiteira, avermelhada, com umas manchinhas brancas. A bicha era simpática. Dava leite. E dava pena também — parecia que era o único bem que ele tinha. Ele estava meio adoentado, novo ainda, morava ali na linha 85, encostado em Alto Paraíso.
E eu comprei. Porque né… quando o coração fala mais alto, o juízo fica em silêncio.
O problema veio depois: onde vou enfiar essa vaca?
Não tinha terra, nem galinheiro, quanto mais pasto! Foi aí que fui atrás do seu Geraldo Cozer, lá do bairro Apoio Social, perto do trevo. Falei com aquele jeito manso de quem tá prestes a pedir um favorzão:
— “Seu Geraldo, posso deixar minha vaca aqui? O senhor tira o leite, cuida dela, e a gente se acerta.”
Ele topou. E lá ficou minha vaquinha, toda cheia de si, produzindo leite e sendo bem tratada. De vez em quando, o seu Geraldo me levava um galão de leite e eu me sentia o próprio rei do gado em início de carreira.
Com o tempo, fui ajeitando a vida. Comprei uns lotes a dez quilômetros dali e abri minha fazendinha. Nada grande, mas era minha. Comecei a comprar gado — no escuro mesmo, só confiando no “olhômetro” (que, diga-se, era péssimo). Lembro de uma carga de novilhas que comprei do falecido Dilson Caldato, um marreteiro dos bons. Eu, besta que só, olhei o gado de longe e fechei negócio.
Recebi umas bezerras mirradinhas, magras que dava dó. Fiquei chateado, claro, mas também… não sabia diferenciar um nelore de uma cabra. Tudo pra mim era “vaca”.
Nesse meio tempo, lembrei da minha primeira vaquinha, a pioneira da história toda, e trouxe ela pro meu pedaço de chão. Comecei a cuidar dela com mais jeito, mais experiência (ou pelo menos achando que tinha).
Mas a vida não gosta de rotina — e muito menos de planos bem-feitos. Teve um incêndio e queimou tudo. Pasto virou cinza, e eu fiquei só com o gado e a boa vontade. A saída foi mandar o rebanho pra Fazenda Nova Vida, onde arrendei um pasto. Deixei lá umas cinquentas, setenta cabeças. Sem vaqueiro, sem cerca reforçada, sem nada. Era como soltar criança em loja de brinquedo e torcer pra dar certo.
Perdi umas dez. Sumiram. Viraram lenda em pasto alheio. Vai saber…
Ainda assim, recomecei. Porque se tem uma coisa que a vida no mato ensina é a teimosia — e nisso, eu era mestre. Foi assim que comecei minha trajetória como criador, mesmo sem ter nenhuma raiz nesse ramo. Meu pai nunca teve vocação pro campo; chegou até a receber uma herança com terra, mas nunca levou adiante. Não era a praia dele. Quem tinha alguma experiência com gado era a Alice, minha mulher, que cresceu nesse ambiente. No começo, era ela quem batia o olho nas primeiras cabeças e me dizia se valia a pena ou não investir.
Com o tempo, fui aprendendo. Comecei a viajar, a ir em exposição de gado, conversar com criadores. Virei fazendeiro de verdade. Criei gado por mais de quarenta anos. E vou te contar: foi uma paixão danada.
Quando a vida me sorriu e sobrou um dinheirinho, investi em novilhas brancas — nelore, dessa vez sabendo o que eu estava comprando. Fui até o Mato Grosso, rodei por Juscimeira, Jaciara, Dom Aquino, Rondonópolis… Comprei duzentas cabeças. Era só estrada de chão e fé. Mas chegaram. E essas novilhas viraram a base do meu criatório.
Mas o tempo passa, o corpo cansa e o gado não espera. E como diz o ditado: boi engorda mesmo é com o olho do dono.
Quando vi que já não dava mais conta, vendi tudo. Hoje não tenho nem bezerro pra contar história. Mas, ó… que fase boa foi aquela.
E pensar que tudo começou com uma vaquinha perdida, comprada no impulso e abrigada no pasto dos outros.
Hoje, Rondônia tem 18 milhões de cabeças de gado. Eu, nenhuma. Mas a saudade? Essa, ninguém tira de mim.
Na foto estou ao lado do seu Avelino, dono da minha primeira vaca.