Delegado “calça-curta” era o modo de se falar. Ninguém do interior do Brasil poderia dizer se haveria alguma diferença, entre um formado em lei e o outro formado na vida. Isto tudo em décadas longínquas. Hoje em dia a coisa é outra. Não há mais a figura do delegado nomeado de ouvido. Mas, a coisa não era assim. Os delegados eram soldados, cabos e sargentos da PM. Acumulavam funções com a chefia do destacamento. Na cidade da minha nascença, Dianópolis – Goiás, tempos idos, houve os delegados civis, nomeados por algum ato de governo. Salário ou não, certo que tinham um poder local fabuloso.
Meu pai foi um deste, por anos a fio, um revólver na cintura e subia a rua, botando guarda numa cidade pacífica, quando muito um bêbado incomodativo, briga de meninos ou fuzuê de casais. Crime mesmo, de faca ou tiro não me lembro ter havido. Roubo de gado acontecia.
O preso era conduzido a pé para a cadeia pública. Soldado atrás com mosquetão 1909 ou não. Dia seguinte, depois de passar a embriaguez, uma enxada e o preso capinava no entorno da cadeia e estava liberado. Sumia. A vergonha era demais. Era o caso de Astolfo; era fraco para cachaça, bastava um gole e ele já soltava a língua e tocava a xingar as pessoas, a provocar briga.
Conheci Mizael Bezerra, que já tinha sido delegado – nesta categoria, do calça curta, como meu pai. Só tem que Mizael puxou este cargo nos anos cinquenta, ele era tudo na Vila de Ariquemes – Rondônia. Foi juiz de paz, cargo acumulado e seu poder era exercido por vários seringais da região. Seu maior problema era o puteiro da Vila, onde os seringueiros depois de venderem a carga de borracha, entravam na farra, gastavam tudo que havia ganhado e ainda davam trabalho para o Mizael ter que prender. Ele era um homem de paz, decente, gentil, justo. E por cima, tinha uma moral inquestionável.
Quando cheguei a Ariquemes, o delegado era o sargento Brasil. Este era temido de verdade. Não havia outro jeito para botar disciplina na Vila, que estava se enchendo de forasteiro e a lei existia para ser cumprida. Ele já tinha um destacamento maior. Sempre fardado. Intimava de boca o infrator. Dizia a hora para comparecer à delegacia. E ai se não comparecesse. Eu mesmo fui requisitado por ele para fazer perícias, lesões corporais e até mesmo necrópsia.
Cada época com a sua realidade. O que posso dizer, que meu pai, como delegado “calça curta” se achava e era uma autoridade local. E este poder lhe bastava. Até chegou a ser convidado para os festejos de escola ou nas recepções ao Bispo Dom Alano e muito raramente, para saudar um deputado. Ele mesmo circunscrito em território e jurisdição julgava-se o senhor dos anéis.