Seu Carlos foi enfermeiro na Vila de Ariquemes. Veio com a leva dos amigos, soldados da borracha, para serviços gerais de saúde. Ficou pelos seringais por anos a fio e depois pegou um emprego federal de “enfermeiro”, quando não se fazia diferença nenhuma entre as categorias. E foi aprendendo com a necessidade de cada dia, e de cada caso, acabou o medo e passou a fazer de tudo. Mas, era de tudo mesmo. Pegou fama na Vila, seringais e depois nos garimpos de cassiterita.
Teve muitos filhos, conheci quase todos. E o parto da sua mulher era ele que fazia. Dela e de todas as mulheres da região, quando dava tempo de chegar no posto ou na casa de vizinhas. Mas, como se diz, quando é pra nascer normal, nasce mesmo. Num destes tantos filhos que teve, veio um parto diferente, como nunca tinha visto antes. O sangramento tirou todo o seu campo de visão. Ele ficou temendo perder a esposa e o filho. Na medicina o caso se chama “placenta prévia”. Mesmo num hospital equipado, trata-se de um parto, como se chama, de alto risco.
Seu Carlos era afobado e tinha instinto e decisão na hora. A placenta veio à frente da cabeça do menino. E muito sangue. E sangue. Ele não pensou duas vezes – desinfetou o canivete e cortou a placenta ao meio, passou água nas mãos e fez dos dedos um alicate e puxou o menino pra fora e conseguiu salvar os dois.
Na hora de fazer a limpeza do recém-nascido percebeu um corte enorme na cabeça da criança. Mais uma vez, linha e agulha e costurou a ferida e tudo, com a graça de Deus correu tudo bem. Como se diz, o Deus dos desprotegidos é bem mais atencioso que o Deus dos protegidos.