Nada melhor do que caminhar pela madrugada e ir deixando as conversas fluírem, sem ponto, nem vírgula. Ao final, resumir os pontos fortes. Porque na fluência das falas soltas sempre se tira algum proveito. Acordei cedo, às 4h40, dia 11 de julho, domingo, e fui me encontrar com Gilvan, no centro de Ariquemes. E fomos andando. As ruas bem cuidadas. As lojas com fachadas novas, iluminadas, atrativas. Quase ninguém na rua.
Perto do cemitério novo, do aeroporto, que é o mais novo, e que já está cheio de covas, o covidário surpreendeu até os coveiros. Na cidade, de longe e do alto, luzes trôpegas parecem caminhar enfileiradas como se estivessem em ordem unida. As luzes têm suas ilusões e sombras, que alegram e amedrontam. E assim, vai-se andando, a cada passada, medindo o perímetro da cidade.
Cada prefeito, governador, presidente – sempre, sempre mesmo, diz – “recebi o mandato com a cidade endividada e muita coisa errada”. E vai tirando o corpo fora e mandando processos para o Tribunal de Contas e para o Ministério Público. Achando que está fazendo o melhor serviço do mundo. E, se possível, jogar o antecessor na cadeia. O tempo avança. O mandato também chegará ao final. E o circuito das culpas continuarão. E aquele que acusou no passado, agora, inverte-se, é acusado.
Enquanto isso, o Brasil continua no seu eterno efeito sanfona: um faz e o outro desfaz. Quando, por sorte, não recua para o atraso, a miséria e a fome. Como se deve interpretar tudo isso? Como? – Gilvan me disse: – Confúcio, isto tudo é culpa do “sistema” brasileiro, urdido para sempre cassar culpados e deixá-los atormentados, muitas vezes, com acusações sem fundamentação, que podem durar dez, até vinte anos. Como se cada ordenador de despesas tenha que carregar cruzes, mais pesadas que a de Cristo, por toda sua vida.
Com certeza, há maneiras de se corrigir contratos, de se alterar planilhas, até mesmo licitações, com obras em andamento. Mas, não. Melhor punir. Parar a obra. E ela ficar ali, imprestável, como um esqueleto assombroso, a sorrir, estridentemente, do pobre povo brasileiro, enquanto muitos fiscalizadores, vitalícios, deleitam-se em relatórios e acórdãos fantásticos.