(crônica de uma visita a um sítio no Jaru em outubro de 2019 – substituí os nomes verdadeiros. Quem narra é Tereza, esposa do Mário, ele, vaqueiro, aquele tipo de gente que faz tudo num sítio. “Velha” é a dona da fazenda. João José é psicólogo)
Eu sou Tereza, moro bem ali, pertinho da Curva da Morte, nem conto quantos acidentes já vi, porque as carretas não param, Jaru de um lado, Ouro Preto do outro, os morros são altos e vales profundos. Aprendi a viver entre roncos dos carros e o berro do gado. E foi sempre assim.
Precisa ver o Dr. João José está igual a uma criança, veio aqui em casa, de namorada nova, só Deus mesmo. O importante é estar feliz. Ele merece, pessoa boa, me ajudou nos momentos difíceis, sou grata a ele por tudo, ele tem um carinho imenso por mim. Porque eu passo uma energia boa para eles.
Meu horizonte, ali embaixo, onde morava, era curto demais, a rodovia à frente, onde se ouve bem mais do que se vê, o constante barulho de pneus, os fortes freadas e cheiro de borracha queimada, Do outro lado um açude grande num plano abaixo, do barracão insalubre, onde me alegro pescando tilápias. O morro com muitos trilhos escritos, por onde as vacas passam em filas, rodopiando círculos, buscando menor gasto de energia. Vai o dia. Escurece mais cedo, o sol se esconde do outro lado, a comida está pronta e daqui a pouco dormir entre a poesia e a realidade.
Ele pediu para o senhor vir aqui, comer um frango caipira, porque adoro cozinhar. Os amigos dele ficaram encantados comigo. Aquela “velha” mesmo, que fala mal de mim, que é endiabrada, tem espírito do mal, nem ligo pra ela. Onde eu chego fico logo “babada” de tanto beijo.
Ninguém me tira do sério. Fico chateada. E vou andando. Logo esqueço. Mais é inveja, a “velha” tá ruim da cabeça. Não guardo mágoa dela. Quando fico parada na BR, parece um show, um buzina outro buzina, eu fico toda alegre, por ter tanto amigo.
O Dr João José que cuidou de mim, como psicólogo, parece que hoje em dia, eu é que cuido dele. Ele disse que eu cheguei lá um lixo, agora, não. Eu falei pra Deus, que de hoje em diante, não choro mais. E parei de tomar todos os remédios, estes remédios não são de Deus, não sou louca, tudo ficou para trás.
Eu durmo bem, noite inteira. Estou em paz. Eu não pego nada dos outros. Posso ver dinheiro no chão, eu não pego mesmo. O que não é meu, eu não quero. Quando eu amo uma pessoa, eu amo mesmo. Não sinto mágoa de ninguém. Aqui dentro do meu coração, só tem espaço para o Senhor Jesus.
Eu sentia tanta coisa no meu corpo. Doía tudo. Aprendi muito na vida. Estou aqui, na casa da “velha” aqui em cima, mas, não mudou nada. Do mesmo jeito que eu morava no barracão lá embaixo. Saio daqui, vou no Jaru, de chinelo, e o povo gosta de mim assim mesmo. Gosto do sítio. Plantar as coisas, criar galinha, minhas cebolinhas estão lindas. Abobrinhas crescendo. A mulher é muito brava, ela fala, fala, eu nem ligo. Deixo ela falar a vontade.
Tão lindo, pé de mamão produzindo. Lá no fundo plantei mandioca também. Minha horta, está linda, tenho uma mão boa para plantar. Folhas imensas de cebola, me dá tanto orgulho. A galinha tá gorda, só gordura, está aqui na panela.
A filha (da velha) dela chegou perto da gente. E tampou o nariz com os dedos, precisava ver, mas, vou vencer, com fé em Deus. Fico triste pelo meu marido, ele só sabe mexer com roça, cuidando de gado. Mário não sabe ler, faz cerca, cuida do gado, ela é implicante, ela deve colocar dentro do caixão a casa, a fazenda e tudo mais. Eles não são de Deus. A velha é do diabo, ser humano desprezível.
Hoje não sinto mais dor no estômago. Quando era criança gostava muito de pescar. Saía com um cachorro que eu tinha, comia palmito, castanha. Quando não estava pescando, andava pelos pastos, botava o cachorro no rastro do veado, depois íamos tomar banho no riacho de água cristalina. Ficava horas olhando as borboletas, muitas cores, brancas, azuis, amarelas. Só chegava em casa a noite.
Eu fazia uma bica com folha de bananeira para beber água saudável. Era uma delícia.
Foto: Diego Queiroz