1. Fui aluno no curso ginasial, em escola de freiras e padre. Falo, padre, no singular, porque só havia um: o Padre João Magalhães. Portanto, fui rezador de “terço”, todos os dias. Antes da aula, íamos para a capela, para rezar o terço.
2. Depois que terminava o recreio, em fila indiana, mais um “Pai e Nosso”. Na sala de aula, mais outro. Afora, as rezas, diárias, vinham as aulas. O Padre Magalhães dava aula de português. Tinha que decorar um poema por semana. E recitar à frente da sala. Sem gaguejar.
3. Madre Aranzazu (espanhola) era da matemática. Uma letra incrivelmente bela. Exigente. Fazia revezamento com o Professor Osvaldo Póvoa. Para deixar bem claro, isto aconteceu em Dianópolis – Tocantins – anos 50 e 60. Sertão profundo. Brasil esquecido. Mas, havia por lá, pessoas generosas, extraordinárias, que botavam conhecimento, na cabeça do sertanejo, sem lenço e sem documento. Só por amor.
4. De tanto rezar. De tanto confessar os mesmos pecados. Todo sábado, confissão era obrigatória. Cada vez mais, o medo de ir para o inferno. Tudo era pecado. Até mesmo um beijo na namorada.
5. Na sexta-feira a querida diretora, Madre Belém, passava por cada sala, para que anotássemos os pecados da semana, numa folha de papel. Era a mesma ladainha. Os mesmos pecados ingênuos. A gente anotava, para não esquecer de nada.
6. O que eu mais queria, era levar um pecado “cabeludo” para o padre Magalhães. Mas, não tinha nenhuma novidade. Terminava na mesma cantilena de sempre. Briguei com meu irmão. Falei palavrão. Peguei uma banana escondido. Fiquei escondido olhando as mulheres tomarem banho no riacho. Este era o mais grave.
7. Depois de tudo, vinha a penitência, rezar ajoelhado, dez “padre-nosso”, vinte “ave-maria”. Ficava tudo aliviado. Perdoado. Para na semana vindoura, repetir tudo de novo;
8. Pelo sim, pelo não, os sertanejos tinham que ler livros. Decorar poesias. Fazer regra de três. Alguma coisa de geometria. O quadrado da hipotenusa é igual a soma do quadrado dos catetos. O sol brilhando na Serra Geral. Os buritizais abanando seus braços. O capim provisório cintilante ao vento.
9. Tudo isto, que falei acima, já transcorre mais de 60 anos. Quando ainda se tomava banho coletivo na bica do Córrego do Getúlio, não se tinha geladeira, nem televisão, muito menos celulares. Só tínhamos a imensidão do vasto mundo e o sonho de voar nas asas da educação de qualidade.
10. No mais, era rezar bastante. E a crença de que a educação também é salvadora. Fomos libertos do fogo da ignorância, pelas mãos santificadas das freiras do Sagrado Coração de Jesus. Se hoje, não rezo como antes, não foi por culpa delas. Só minha culpa, minha máxima culpa.