TEMÍSTOCLES MAIA – UM TRONCO DE ITAÚBA

TEMÍSTOCLES MAIA – UM TRONCO DE ITAÚBA

Na escravidão brasileira, o tronco era o local onde se prendia o negro, para o impiedoso castigo. O meu tronco aqui nem são células de verdade, são organismos, gente de valor, madeira de lei, novamente, madeira de lei. Em Ariquemes tem muita gente que é madeira de lei. Foram aqueles movidos pela ousadia, pela aventura, que vieram pra cá fincar barraco, movidos por um combustível chamado esperança.

A cada semana vou falar pra vocês nestas madeiras de lei. Hoje é o dia do TEMÍSTOCLES MAIA, mais conhecido como Maia. Era um homem calado, difícil tirar dele um sorriso de boca cheia. Ele media cada palavra com régua. Usava roupa discreta, limpa, bem passada, andar elegante, extremamente gentil, com ares de lorde inglês. Quem o visse e ainda mais quem conviveu com ele, sabe dos seus traços mestiços: moreno melaço, uma face de malares angulosos, alguma coisa tem a ver com a origem indígena (provavelmente).

Era uma curiosidade incrível. Era daquele tipo que não se contentava com a aparência das coisas. Ia a fundo, descobrir os mistérios das palavras. Bem no comecinho de Ariquemes, quando ninguém conhecia ninguém, quando o dinheiro que se trazia da viagem escasseava, Maia abriu a primeira casa para consertar rádio, radiola, poucos televisores e estas bugigangas domésticas.

Ele ia além deste trivial. Bastava levar um aparelho e o manual de instrução, ele varava a noite lendo e mexendo naqueles labirintos de intimidades eletrônicas. Houve um dia que Alice (minha esposa) ficou encrencada com o seu ultrassom. Não sabia o que fazer. Só ela fazia exame na cidade. O treco deu pane. Foi ao Maia, ele revirou o aparelho de todo jeito. O manual em inglês, foi mexendo, até por fim saiu na tela o traçado de que necessitava.

Teve mais: – ninguém por aqui tinha ligado uma TV. Ele ficou inconformado, saiu com um aparelho pelos pontos mais altos da cidade, até que enfim, ali na Cajazeira, em cima do morro da curva da Linha C-45, subiu numa pedra para ficar ainda mais alto, ligou a TV na bateria e conseguiu sintonizar a Rede Globo.

Foi o estalo de que necessitamos. Vieram os abaixo-assinados e foi mostrado o ponto onde se deveria instalar a torre para se receber os sinais de televisão e telefonia.

Temístocles Maia faleceu dia 2 de fevereiro de 2007, aos 77 anos de idade, depois de lutar com estas doenças torturantes por mais de 5 anos. Dona Iracema, esposa, me falou que nos últimos dias de vida, ora tinha momentos de lucidez ora de torpor, que se surpreendia com ele chamando-a “mãe, mãe, mãe”.

Porque é assim mesmo que a esposa ou esposo, depois de anos de convivência, inverte o papel, de mulher e amor profundo e carnal, ela se transforma no amor maternal. Iracema foi também outro tronco de aquariquara desta cidade.

Fiz um negócio com ele.

Cedi 150 vacas para ele cuidar a meia. Feito contrato, eu teria que vistoriar de quando em quando. Nunca pisei na fazenda dele. Tinha confiança absoluta.  Quando a doença bateu à porta, ele me telefonou para buscar as vacas. Falei – Maia não precisa da minha presença, separe do seu jeito, tire a sua parte e me mande a minha. Ele fez tudo direitinho, devolveu-me o que tinha que devolver, acho até que tomou prejuízo. Pelo seu excesso de correção.

Em 2006 encontrei com ele, saindo do hospital, numa cadeira de rodas, fraco e debilitado. Dona Iracema empurrando a cadeira. Parei, cumprimentei-o, ele disse que estava melhorando e ainda me fez um pedido: “Confúcio mande arrumar o meu travessão, a estrada está muito ruim”. Eu era prefeito da cidade. Respondi, vou mandar arrumar, Maia. Pode confiar. Na outra semana o “travessão” que liga a RO-1 à Linha C-55 estava pronto, a pedido do Maia.

Ele foi e será um tronco de lei. Dele e de outros tantas aroeiras nasceram as ruas, os rumos desta cidade. Foi Presidente da primeira Cooperativa de Produtores de Cacau da cidade. Líder Sindical Rural. Juiz Classista. Membro da Federação Estadual da Agricultura e Membro da Confederação Nacional da Agricultura em Brasília.

Teve muitas qualidades pessoais, além de grande orador, falava com precisão, justo e exato. Ah! Brasil, que tanto sonho, ter em toda a sua extensão 210 milhões de Temístocles Maias. Que bom seria. Estaríamos no primeiro mundo.

Texto escrito em 11 de fevereiro de 2007 ( Alguns dados atualizados em 07.02.2022)

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