São histórias. Todo mundo tem as suas. Hoje, vou contar para vocês sobre o meu casamento, e dois anos depois a nossa maior aventura. De mudarmos para uma cidade imaginária. Num lugar chamado Território Federal de Rondônia. Como nos filmes de ficção. E vamos lá.
Quarenta e oito anos de casamento. Não são quarenta e oito dias. É uma história que se estende no tempo, da juventude à velhice. Justamente neste dia, 29 de janeiro de 1973.
Os dois, ainda estudantes de medicina, sem lenço e documento. Duros de morrer. Numa das maiores irresponsabilidades do planeta. Tínhamos que nos virar. De professor de cursinho. A auxiliar de necrópsia. Achando pouco, vieram as duas filhas. Seguidinhas.
Houve tempo de namoro, não contabilizado
Houve tempo do noivado, não contabilizado
E o tempo, da arrancada desvairada, para subir degraus de esperança, montes de apostilas, distâncias vencidas a pé. Cabresteando a vida do nosso jeito. A marmita, a “média” de café com leite. Foi ficando para trás. Muita saudade do pudim de padaria. As filhas crescendo nas mãos dos avós. A lida no curso de medicina, o trabalho concomitante. Espaços exíguos no dia.
E depois a grande aventura, com levas de milhares de desvalidos
Para o novo eldorado rondoniense
Cara e coragem. Muito mais ignorância como sacramento. Encarar a selva. Mosquitos infinitos. Cheias nos rios. Febre palustre. Ainda pendurados, fios de cobre, dos tempos de Rondon.
E a cidade que não existia. Como a terra prometida. E como num milagre, passo a passo, foi se abrindo ruelas entre tocos incendiados, barracos, sonhos, crenças. Ousadia de guerreiros do fim do mundo, foice, facão, motosserras e a cidade se estabeleceu.
Ariquemes tem a nossa mão. Nossa argamassa. Nossa injeção. E hoje, quarenta e oito anos de casamento. Construído na labuta dos dias. Nada emendo. Nada reparo. Não tiro nada do roteiro não escrito. Nada tiro dos planos que não houve. A cidade prosperou com cara de metrópole.
Estamos aqui, envelhecidos, aposentados, orgulhosos. Voltaria no tempo, agradeço as oportunidades, amaria como no começo. Amo Maria. Maria Alice. Amor de vivência. Que ficou e fica. Sempre eternos ares, brisas, chuvas, sempre eternas as paisagens, as grotas, carreadores, rumos.
Fiz viagens obtusas no transcurso, para transver, para transbordar de emoções, e venho andando pelos caminhos tortuosos da política, enquanto Alice não ateou o pé do seu ofício glorioso. Nós nos abraçamos nesta data, sem festa, reclusos, amedrontados pela pandemia que assola o mundo.