Eu tinha quase 16 anos quando irrompeu a ditadura militar de 1964. Ainda era adolescente, morava no estado de Tocantins, na cidade de Dianópolis, mas sempre fui muito atento a todas essas manifestações políticas, mesmo muito jovem e sertanejo do interior do Brasil.
No entanto, o tempo foi passando, e, dos 18 para os 19 anos, eu me mudei para Goiânia, quando ainda transcorria efetivamente o primeiro governo do ditador brasileiro Castelo Branco. Na escola, no ensino médio, nas faculdades, nos diretórios acadêmicos, na vida, combatia-se a ditadura; havia um subterrâneo de manifestações. Eu mesmo tive vários colegas presos naquela ocasião, jovens, mulheres e homens; e assim foi feito.
Fui amadurecendo, 18, 20 anos, me graduei. Fui militar por 10 anos, sargento da Polícia Militar de Goiás, durante a efetivação da ditadura militar. Vim para Rondônia em 1976, janeiro. Enquanto isso, perdíamos todos os políticos da centro-esquerda brasileira; todos os intelectuais, professores das universidades, artistas, estudantes secundaristas e universitários. Houve muita tortura, muita violência.
A ditadura poderia ter aproveitado esse tempo de exceção para implantar os rumos de um Brasil diferente, porque, praticamente, não existia oposição no Congresso Nacional. Mas nada disso ocorreu. A ditadura se especializou na tortura, se especializou nos seus sistemas de informação. Ela se especializou, justamente, na arte de toda a ignomínia política brasileira, e se esqueceu de governar.
O governo militar tinha um plano de soberania nacional, um plano ultranacionalista, um plano ultradireitista, e tudo isso foi acontecendo nos seus 21 anos de exercício de exceção. Praticamente nada de bom aconteceu. Depois, com a anistia, foram voltando os verdadeiros líderes brasileiros, os intelectuais, os pesquisadores e os cientistas que estavam no exílio, inclusive Juscelino Kubitschek, Niemeyer, Hidelbrando, Fernando Henrique, Arraes, Brizola, enfim, todos.
Posso dizer a vocês, de cátedra e experiência pessoal, que eu vivi esse tempo, e não tenho nenhuma saudade; não tenho nenhum orgulho. Quando vejo, hoje, o povo brasileiro polarizado, exaltando princípios que foram as bases da ditadura de 64, eu fico muito triste. Talvez esse pessoal de hoje não queira ler a história, não queira ver tudo isso.
As manifestações que existiram no Brasil na década de 60, como mulheres se expressando, pedindo a ditadura militar, contra João Goulart, com medo do comunismo – e ele na realidade não era comunista, mas assim o taxaram.
Agora, estamos nós aqui, em pleno 2024, ainda amargando uma polarização brasileira, muita gente pedindo a ditadura militar. Há pouco tempo muita g ente foi para a frente dos quarteis pedirem intervenção, querendo uma nova ditadura, querendo um novo “Estado Novo de 1937”. Acho que o pessoal não tem memória histórica, ou estão brincando de repetir o passado nefasto.
Nós precisamos encontrar modelos; modelos inteligentes de sobrevivência, modelos de superação da nossa pobreza, de pensamento grandioso, futurista, para realmente combater a miséria, a desigualdade brasileira, promover o crescimento justo, equilibrado. Chamar quem está de fora para dentro do Brasil; isso é fundamental.
Eu não comemoro este dia 31 de março com glória. Eu repugno completamente esses princípios. Eu vou convivendo, vou trabalhando, no meio termo, sem fazer críticas frontais a ninguém, mas, aqui dentro do meu coração, eu repudio veementemente, eu não concordo, de maneira nenhuma, com uma nova ditadura.