A Batalha de Santa Elina I (Massacre de Corumbiara)

A Batalha de Santa Elina I (Massacre de Corumbiara)

Ariquemes, 16 de fevereiro de 2008

Confúcio Moura

Era madrugada quando o tiroteio começou.  Quem deu o primeiro tiro?  Foi Neguinho da Capoeira.  A Fazenda Santa Elina fica no município de Corumbiara, aqui em Rondônia.  Cercada por sítios de 50 hectares e a fazenda no meio, ostentava organização, boiadas imensas, fronteiras quilométricas e terras de excelente qualidade. A informação do Dr. José de Almeida, Casa Civil do Governo do Estado, é que teriam 15 mortos.

Eu estava no plenário da Câmara dos Deputados, 16h40 do dia 9 de agosto de 1995. Os deputados Marinha Raupp, Gilney Viana e Euripedes Miranda comunicaram-me sobre o confronto entre policiais de Rondônia e invasores da Fazenda Santa Elina em Corumbiara. O que foi uma tragédia de horror.

Dirigi-me ao deputado Luiz Eduardo Magalhães, Presidente da Câmara, ele me cedeu um espaço e comuniquei a ocorrência ao microfone para conhecimento do povo brasileiro.

Por iniciativa do Deputado Jackson Wagner, líder do PT, hoje governador da Bahia, foi composta a Comissão Externa no dia 9 de agosto, com os deputados  Nilmário Miranda (PT-MG), Confúcio Moura (PMDB-RO), Padre Roque (PT-PR) e Emerson Olavo Pires (PSDB-RO).

Dia 10, manhã de céu limpo, o cerrado do Planalto Central estalava de seco, arvores quase desfolhadas, os grilos tocavam uma sinfonia irritante, 7h30 embarcamos em um avião da FAB, conhecido como SUCATÃO, o procurador do DF, dr. Humberto, representando o ministro da Justiça. Brasília a Cuiabá, um pulo para abastecimento e depois Vilhena.

Não demos entrevistas. Nem falamos em rádio ou televisão. Para não emitirmos opiniões desencontradas e precipitadas.

Às 12h50 fomos ao Necrotério do Hospital Adamastor Teixeira, Vilhena, acompanhado do dr. Paulo César Marquesini (diretor), onde encontramos três médicos legistas trabalhando, sala pequena e cheia, pouca ventilação, 7 cadáveres em decomposição, cheiro forte.  Um dos mortos, completamente irreconhecível, crânio destruído e deformado, com extenso ferimento aberto.

Dois corpos tinham sidos liberados durante a noite, uma menina de 7 anos e um homem adulto. Foram levados para Colorado do Oeste.  Os 2 policiais mortos também foram liberados. Um ficou em Vilhena e o outro levado para Porto Velho.  Alguns corpos estavam no chão. Outros em macas.

Na enfermaria visitamos 5 pacientes feridos no conflito. Dois tinham sidos operados e ainda estavam sonolentos. Os outros com dificuldade para falar. Todos com prognósticos reservados quando à cura. Um deles, o Moacir Camargo Ferreira, disse que acordaram todos do acampamento às 3h30  do dia 9 de agosto, tomaram café com bolinho frito. Sabiam da presença da tropa da Policia Militar acampada bem próximo. Apenas separados por uma derrubada recente, ainda sem queimar. Estavam informados que a PM atacaria na madrugada. A PM cumpria ordem judicial para reintegração da posse.  Eles ficaram esperando, preparados para a defesa.

No acampamento havia cerca de 600 famílias, aproximadamente, mulheres e crianças, no conjunto 1.500 pessoas (palavras do Moacir). Era madrugada, não se via nem vulto, um breu completo, frio da mata que ventava suavemente, silêncio profundo, nem berro do gado, longe o negrume intenso da floresta dormindo. Só se via gente mexendo, à luz de lanterna, facheando o caminho, para ocupar o seu ponto, o combinado, trincheira no leito do igarapé, atrás de troncos, de pedra, onde se pudesse esconder. E quem deu o primeiro tiro?………(silêncio), insisti, de quem foi o primeiro tiro?…. Neguinho da Capoeira, falou baixo, quase inaudível. O Tenente tombou que nem uma caça. Caiu em cima do rasto.

Na segunda enfermaria mais três pacientes que vieram de Santa Elina. Um deles operado. Os outros dois tiveram condições de conversar, um disse que o acampamento era novo, que estavam esperando a Policia, que no dia 8 tinha avisado e pedido para que saíssem da área. Ninguém obedeceu, estava decidido, dali só vivo ou morto. De outra forma, a cadeia. Os meninos estirados nas redes ou nas tarimbas, mosquitos infestavam o lugar, zuniam desesperados, encapetando a vida de todos.

Na terceira enfermaria, mais quatro pacientes. Jeremias disse que os policiais jogaram bomba de gás lacrimogêneo, eles não fizeram nenhum refém.  Disse que o tiroteio demorou aproximadamente 3 horas. (sic). Na visita ao Hospital tivemos as companhias do vice-governador Aparício Carvalho e do procurador federal dr. Osni Bienise. O gás desesperou o pessoal, era choro pra todo lado, gente trombando nos outros, mães agarradas aos filhos, pedindo piedade pelo amor de Deus.

À porta do Hospital decidimos convocar mais dois médicos legistas para acompanharem as autópsias, que funcionariam como árbitros nos exames, para que não pairassem suspeições nos serviços dos legistas de Vilhena.  Feita a petição, pelo deputado Nilmário Miranda e encaminhada a Cuiabá.

Na próxima semana, conto o resto, o que vimos na cidade de Colorado do Oeste, em Corumbiara, Distrito de Nova Guarajus e na Fazenda Santa Elina, sede do conflito, que posso chamar de batalha, como se fosse o renascimento do  Massacre de Canudos, ocorrido no sertão da Bahia, fins do século XIX.

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