O olho do dono

Tirei dois dias para fazer o que sempre gostei. Sumir no mato, no meio dos pastos, correr cercas de arame, ver aguadas da fazenda, olhar o milho estocado, ver a ração no cocho. Sair cedo da sede, me enfiar no mato, sem ninguém, a pé. Daí a pouco, de tanto saltar moitas, subir em pedras, escorregar entre elas, rasgar cipoal no peito, a gente vai se aliviando, como se tivesse tomado dose dupla de rivotril.

Para quem gosta de roça, como eu, é duplamente importante, porque cuida de suas coisas, manda corrigir, descobre feitos e malfeitos, e lá na frente, no topo de uma pedra, tem a visão descortinada do horizonte. E ali, naquele momento, até parece que se chegou ao auge da paz, ao zênite da transmutação mental – e aí vem a intragável pergunta: – vale a pena este amoroso apego?

Ou, simplesmente, aquela saudade pegajosa de quem tem terra, gado no pasto, cujo diferencial é ter algum poder. Porque lucro mesmo, de somar e dizer de boca cheia: – estou feliz – é bem duvidoso. A não ser para empresários do ramo, bem dedicados, que fazem mil planilhas, até de gotas de óleo diesel, devidamente medidas. Porque há uma enorme diferença em se falar: – daqui tiro todo o sustento da família e estas coisas todas. Só sei que fazendeiro à moda antiga tem fachada de rico, parece rico, mas vai ficando pobre, sem sentir, gota a gota. Quando menos espera, até para o enterro, os amigos têm que acudir.

Eu acredito mais no valor da terra do que no berro do gado, ou mesmo do peixe no tanque. Uma despesa sem fim, nunca termina, sempre uma arrumação permanente. Só tem uma coisa – a gente sofre, mas a gente gosta (ou goza, como diz José Simão). Até parece que devaneio enche barriga.

 

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